sábado, 29 de outubro de 2011

Diário de Vita Sackville parte I

23de julho de 1920

É claro que não tenho o menor direito de contar toda a verdade sobre minha vida, comprometendo com isso a reputação de tantas outras pessoas. Mas se o faço agora é por uma necessidade imperiosa de ser sincera comigo mesma...

Depois de lançar tudo ao papel serei capaz de supor que ninguém leia... Sim minha vida é um lamaçal, um charco um atoleiro, um território equívoco onde o sol brilha apenas nos momentos em que esse meu personagem aparece...

25 de junho de 1920

... e aconteceu um fato muito importante nesse período: fiz uma amizade, logo eu, que era avessa a me comunicar com as pessoas. Tudo se deu assim quase derrepente, para ser exata, na segunda vez em que nos vimos. Ela chamava-se Violet (Keppel, depois Trefussis), tinha onze anos, e eu treze, mas em tudo parecia mais madura que eu. Gosto de recordar, com todos os detalhes, a cena de nosso primeiro encontro. Foi durante um chá, a beira do leito de uma amiga comum que havia quebrado a perna e recebia as coleguinhas em seu quarto. Violet se dirigiu a mim e comentou qualquer coisa a respeito das flores na janela. Eu não estava ouvindo, por isso não dei a menor resposta, o que a deixou aborrecida. Já era uma garota cheia de vontades. Dias depois a mãe de Violet, a seu pedido naturalmente, conseguiu de minha mãe que eu fosse visitá-la e tomar chá. Lá fui eu, sentamo-nos em uma sala agradável, na penumbra, e conversamos sobre nossos ancestrais entre outros assuntos vagos. A saída ela me deu um beijo. Naquela noite compus uma linda cançãozinha que dizia assim: “Tenho uma amiga... tenho uma amiga...”.

Estou louca pra falar de Violet, dizer quanto eu a admirava em segredo, como me sentia orgulhosa de ser sua amiga. E que brilhante, que extraordinária, quase sobrenatural criatura era ela, e como a tratei com desprezo, e com quanta habilidade o fiz para que ainda assim ficasse ao meu lado, mas fiel do se a tivesse coberto de ternuras. Sim estou louca pra falar de Violet, mas vou contar outras histórias primeiro. Afinal, ela já vive no meu presente e se instalou no meu passado. Desde o início confiei em Violet, podia ser ardilosa, desconcertante e até incrédula, mas a qualquer momento me transmitia aquela certeza inabalável de ser minha para sempre, e isso me deixava satisfeita. Ouvia as histórias que se contavam sobre ela com um sorriso superior nos lábios: sorriso de proprietária. Se por acaso, dez anos se passassem sem uma única notícia sua, eu teria, no fim desse tempo, a mesma sublime certeza de que voltaríamos a nos reunir. Não vejam nestas minhas palavras um só traço de exagero, pois jurei que só escreveria a verdade, mesmo a mais contundente, a mais crua. É o único mérito dessa confissão.

(Interrompo a narrativa porque Violet acaba de me telefonar, e já não sei se é a Violet de quinze anos atrás ou minha apaixonada e tempestuosa Violet de hoje, a me falar com a mesma voz adorável.)

Um comentário:

Estudando Filosofia disse...

Muito interessante essas cartas, mostram o quanto elas se amavam, apesar do destino te-las separado...elas deixaram vivo o amor que sentiam em suas correspondências infelizmente temos apenas as cartas de Violet.