sábado, 29 de outubro de 2011

Diário de Vita Sackville parte II

25 de julho de 1920

Outros episódios importantes se desenrolaram naqueles anos, viajei a Florença, na Itália, ao encontro de Violet (Vêem como seu nome sempre volta!). Era a primeira vez que eu deixava a Inglaterra para uma aventura nova, diferente da viagem anual a Paris. Meus olhos se encantaram pela Itália e Violet foi o grande motivo. Até que ponto eu a conhecia nesse tempo? Não sei muito bem...

Devo tê-la conhecido muito intimamente, sim, a memória vai me voltando aos poucos. Aprendi italiano com ela, em Londres, tive-a comigo em Paris, numerosas vezes, e fiz até que representasse alguns trechos de uma peça, de minha autoria...

Antes de eu partir para Florença ela me confessou todo seu amor por mim, e eu, achando que só poderia lhe responder no mesmo tom, gaguejei: Querida!. Ai meu Deus, como até hoje me emociono relembrando os primeiros vôos do coração. Ficamos separadas durante algum tempo, e só a revi em Florença. Foi muito bonito, pois logo na chegada ela me deu um anel, que tenho até hoje, como tenho a ela.

Eu deveria estar escondendo o rosto entre as mãos, de vergonha de estar aqui relembrando um caso de amor infantil. Mas era demasiado violento para ser considerado apenas uma brincadeira de meninas, e vale como justificativa do presente. Um laço muito mais forte, muito mais legítimo, nos ligava definitivamente, naquela época como agora. Que laço seria esse, só Deus sabe, mas às vezes chego a pensar que tinha algo de sobrenatural. Violet é minha, sempre foi e será. Trata-se de uma extravagância do destino. Desde o início soube disso. Poe instinto, sentia-me sua proprietária absoluta. Ela também o sabia, menos por instinto, mas opunha todo o cuidado em me demonstrar o seu amor profundo. Eu não lhe retribuía com a mesma intensidade, tratava-a friamente, sem o menor receio de que por orgulho ou despeito um dia me deixasse. Sabia-a presa em minhas mãos. Sim. Era irremediavelmente minha, não posso dizer de outra maneira nem vou usar fraseados tolos para descrever um fato tão simples...

Diário de Vita Sackville parte I

23de julho de 1920

É claro que não tenho o menor direito de contar toda a verdade sobre minha vida, comprometendo com isso a reputação de tantas outras pessoas. Mas se o faço agora é por uma necessidade imperiosa de ser sincera comigo mesma...

Depois de lançar tudo ao papel serei capaz de supor que ninguém leia... Sim minha vida é um lamaçal, um charco um atoleiro, um território equívoco onde o sol brilha apenas nos momentos em que esse meu personagem aparece...

25 de junho de 1920

... e aconteceu um fato muito importante nesse período: fiz uma amizade, logo eu, que era avessa a me comunicar com as pessoas. Tudo se deu assim quase derrepente, para ser exata, na segunda vez em que nos vimos. Ela chamava-se Violet (Keppel, depois Trefussis), tinha onze anos, e eu treze, mas em tudo parecia mais madura que eu. Gosto de recordar, com todos os detalhes, a cena de nosso primeiro encontro. Foi durante um chá, a beira do leito de uma amiga comum que havia quebrado a perna e recebia as coleguinhas em seu quarto. Violet se dirigiu a mim e comentou qualquer coisa a respeito das flores na janela. Eu não estava ouvindo, por isso não dei a menor resposta, o que a deixou aborrecida. Já era uma garota cheia de vontades. Dias depois a mãe de Violet, a seu pedido naturalmente, conseguiu de minha mãe que eu fosse visitá-la e tomar chá. Lá fui eu, sentamo-nos em uma sala agradável, na penumbra, e conversamos sobre nossos ancestrais entre outros assuntos vagos. A saída ela me deu um beijo. Naquela noite compus uma linda cançãozinha que dizia assim: “Tenho uma amiga... tenho uma amiga...”.

Estou louca pra falar de Violet, dizer quanto eu a admirava em segredo, como me sentia orgulhosa de ser sua amiga. E que brilhante, que extraordinária, quase sobrenatural criatura era ela, e como a tratei com desprezo, e com quanta habilidade o fiz para que ainda assim ficasse ao meu lado, mas fiel do se a tivesse coberto de ternuras. Sim estou louca pra falar de Violet, mas vou contar outras histórias primeiro. Afinal, ela já vive no meu presente e se instalou no meu passado. Desde o início confiei em Violet, podia ser ardilosa, desconcertante e até incrédula, mas a qualquer momento me transmitia aquela certeza inabalável de ser minha para sempre, e isso me deixava satisfeita. Ouvia as histórias que se contavam sobre ela com um sorriso superior nos lábios: sorriso de proprietária. Se por acaso, dez anos se passassem sem uma única notícia sua, eu teria, no fim desse tempo, a mesma sublime certeza de que voltaríamos a nos reunir. Não vejam nestas minhas palavras um só traço de exagero, pois jurei que só escreveria a verdade, mesmo a mais contundente, a mais crua. É o único mérito dessa confissão.

(Interrompo a narrativa porque Violet acaba de me telefonar, e já não sei se é a Violet de quinze anos atrás ou minha apaixonada e tempestuosa Violet de hoje, a me falar com a mesma voz adorável.)