sexta-feira, 24 de setembro de 2010

AS HORAS

Com: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep; 1923: Stephen Dillane, Miranda Richardson; 1951: John C. Reilly, Jack Rovello, Toni Collette; 2001: Ed Harris, Allison Janney, Claire Danes, Jeff Daniels

Poster
Um dia na vida de três mulheres, em três Eras diferentes. O suicídio de Virginia Woolf (Kidman), em 1941, abre o filme, mas a acção à qual a personagem histórica é central desenrola-se em 1923, quando a escritora vivia em Richmond, com o marido Leonard (Dillane), que a rodeia de cuidados extremos, devido ao seu historial de instabilidade mental. Em Los Angeles, 1951, Laura Brown (Moore), vive com o filho Richie (Rovello) e o marido Dan (Reilly). Laura não consegue enfrentar a vida de dona de casa nos subúrbios, deprimindo-se com as mais pequenas coisas, como o seu fracasso na confecção de um bolo de aniversário ou a atenção requerida pelo filho. Nova Iorque, 2001: Clarissa Vaughan (Streep) organiza uma festa para comemorar a atribuição de um importante prémio à obra poética de Richard (Harris), seu amigo (e ex-amante), debilitado pela SIDA.

«As Horas» é um filme ao qual nos é difícil dirigir comentários marcadamente negativos, pois foi cuidadosamente construído para agradar a uma certa audiência mais “exigente” e aos júris dos prémios de cinema mais importantes (mediáticos), nomeadamente os Oscars de Hollywood. Em suma, é um filme “sério” e “respeitável”, tecnicamente exemplar e, aquilo que maior destaque merece, reúne três grandes actrizes, que nos trazem três grandes desempenhos. É, ao mesmo tempo, um filme de época e um filme moderno, mas é o passado que domina a narrativa, com o tempo presente a funcionar como um epílogo, ainda que exista exposição durante o filme, à medida que Clarissa prepara a festa de homenagem a Richard, na Nova Iorque do presente.

Os actores estão exemplares, bem como as respectivas caracterizações (incluindo o já famoso nariz de Nicole Kidman). É ao nível do texto que sentimos limitações. O filme baseia-se no livro de Michael Cunningham, que, por sua vez, se inspirou em “Mrs Dalloway” de Virginia Woolf. O mal de vivre trespassa os três segmentos, centrando-se nas três mulheres que os protagonizam, ainda que seja na personagem de Ed Harris, e não na de Meryl Streep, onde encontramos determinados paralelos com Virginia Woolf e Laura Brown. Há também similaridades noutros aspectos, nomeadamente a relevância de relações familiares – entre irmãs, ou mãe-filho/filha – apresentadas de formas diversas, nos vários segmentos e relações homossexuais assumidas (Clarissa e Richard) ou cuja possibilidade é meramente aflorada.

KidmanMooreStreep

Poderíamos questionar-nos: «The Hours» é sobre o quê, qual é a história que conta? É uma mini-biografia de Virginia Woolf, debruçando-se sobre o período em que a escritora concebia “Mrs. Dalloway” e apontando as causas que a levaram ao suicídio 18 anos depois? Procura aflorar a homossexualidade feminina em várias épocas? Aborda o desgaste provocado pela criação artística ou ilustra que por detrás de um criador pode estar também um indivíduo assolado por fantasmas que o empurram para um beco sem saída, do qual não consegue sair? No final, fica a sensação de que a relação que se descobre entre algumas personagens não serve para muito mais do que para provocar uma reacção de surpresa moderada, com tal reconhecimento, não chegando a integrar-se numa coerência narrativa mais lata. Vendo-se com relativo agrado, «The Hours» surge mais como um curioso encontro entre três contos do que como uma longa-metragem. Em todo o caso, por muito que tal possa soar a cliché, merece um visionamento nem que seja só pelo trabalho das três actrizes, sem demérito dos pequenos papéis de Toni Collette, no papel de uma vizinha de Laura, e Miranda Richardson, como irmã de Virginia Woolf.